Tradução, para a Língua Portuguesa
Falada no Brasil, da Conferência
From Internet To
Gutenberg
Umberto Eco
A idéia de traduzir, para a língua portuguesa
falada no Brasil, o texto de Umberto Eco, se prende a três pontos que
o responsável pela tradução considera de fundamental
importância para o país neste início do século
21.
O primeiro se refere a resistência, ainda remanescente no Brasil, do uso ostensivo de modernos aparatos tecnológicos em áreas nitidamente carentes (como é o caso da educação). Ora, o Brasil (um país do terceiro mundo ou, se preferirem, em desenvolvimento), de dimensões continentais, está beirando os 200 milhões de habitantes com, pelo menos, a metade dessa população constituida de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que não conseguem interpretar textos condignamente. Essa perversa e excludente realidade foi construída pelo modelo educacional ainda vigente no país. E, pela primeira vez em 500 anos, temos a real possibilidade de atacar o problema de frente. O uso da educação a distância, hoje turbinada com o auxílio da Internet, é um recurso relativamente barato que pode auxiliar de fato nessa tarefa, e que o país não pode se dar ao luxo de subestimar. Muito menos de não utilizá-lo. O segundo ponto é o caráter didático com o qual o mestre Umberto Eco trata dessa questão, trocando em miúdos e desmistitificando as mudanças em nosso modus vivendi, decorrentes do surgimento de cada invenção tecnológica que, afinal, sempre é fruto do trabalho humano. Quem sabe seus esclarecimentos nos libertem de nossos próprios demônios que estão a nos impedir de tomar decisões mais ousadas para reduzir drasticamente a exclusão social no Brasil. Finalmente, a própria tradução em sí, aqui posta ao lado do original em língua inglesa. Em um país com tamanha exclusão social, facilitar o acesso (através da tradução para o português falado no Brasil, pois a educação disponível à população impede a leitura no original por uma grande parcela dessa população) a tão importante documento constitui uma obrigação por parte de educadores de todas as áreas. Não apenas para que essa população conheça a valiosa contribuição de Eco. Mas para que, ao conhecê-la, se capacite a contribuir na discussão do uso da tecnologia para resolver problemas com os quais o país não pode mais tolerar a convivência. Com isso, e através disso, espera-se uma adição na inserção social. A presente edição bilíngüe aguarda sugestões/correções dos leitores com vistas à busca de fidelidade na tradução. Professor Titular Departamento de Informática e de Estatística Centro Tecnológico - Universidade Federal de Santa catarina |
(A responsabilidade pela tradução deste texto para a língua
portuguesa falada no Brasil é de João Bosco da Mota Alves,
que agradece aos colegas e alunos, mas principalmente amigos que, gentilmente,
colaboraram: Andréa da Silva Miranda, Antonio Eduardo Costa Pereira,
Davidson Mazocco Davi, Dulce Maria Halfpap, Elizabeth S. Specialski, Gilmar
Luis Mazurkievicz, Ilson Wilmar Rodrigues Filho, João Cândido
Lima Dovicchi, José Manuel Martins Ferreira, Juarez Bento da Silva,
Liamara Scortegagna Comassetto, Luiz Fernando Jacintho Maia, Orlando Fonseca
Silva, Maurício Braga de Paula, Ricardo Ferreira Pinheiro, Rogerio
Domingos Hining)
(http://www.hf.ntnu.no/anv/Finnbo/tekster/Eco/Internet.htm, 15/set/2003) A lecture presented by Umberto Eco at The Italian Academy for Advanced Studies in America (November 12, 1996) |
(http://www.hf.ntnu.no/anv/Finnbo/tekster/Eco/Internet.htm, 15/set/2003) Conferência apresentada por Umberto Eco na The Italian Academy for Advanced Studies in America (12 de november de 1996) |
According to Plato (in Phaedrus) when Hermes, the alleged inventor of writing, presented his invention to the Pharaoh Thamus, he praised his new technique that was supposed to allow human beings to remember what they would otherwise forget. But the Pharaoh was not so satisfied. "My skillful Theut, he said, memory is a great gift that ought to be kept alive by training it continuously. With your invention people will not be obliged any longer to train memory. They will remember things not because of an internal effort, but by mere virtue of an external device." | Segundo Platão (em Fedro), quando Hermes, suposto inventor da
escrita, apresentou sua invenção ao Faraó Thamus, teve
sua nova técnica elogiada pois supunha permitir ao ser humano lembrar
o que de outra forma poderia esquecer. No entanto, o Faraó não
estava satisfeito. "Meu hábil Theut, disse, a memória é
o maior dom que precisa ser mantido vivo via treinamento contínuo.
Com sua invenção as pessoas não mais serão obrigadas
a treinar a memória. Lembrar-se-ão não por esforço
interno, mas por virtude de um dispositivo externo."
N.T.: Theut, deus das invenções para os antigos egípcios Comentário de Antonio Eduardo Costa Pereira, da UFU: Trata-se de Thot, o inventor da escrita, para os antigos egipcios. Não é o deus das invenções. Platão não fala de Thot no texto original, mas trata-se de Thot, sem dúvida alguma. Os gregos tinham a mania de associar personagens mitológicos de outros povos com elementos da própria mitologia. |
We can understand the preoccupation of the Pharaoh. Writing, as any other new technological device, would have made torpid the human power which it substituted and reinforced - just as cars made us less able to walk. Writing was dangerous because it decreased the powers of mind by offering human beings a petrified soul, a caricature of mind, a mineral memory. | Podemos entender a preocupação do Faraó. A escrita, como qualquer outro novo dispositivo tecnológico, poderia entorpecer o poder humano que substituiu e reforçou - como os carros que nos fazem menos hábeis em caminhar. A escrita era perigosa porque diminuia o poder da mente, oferecendo aos seres humanos uma alma petrificada, uma caricatura da mente, uma memória mineral. |
Plato's text is ironical, naturally. Plato was writing his argument against writing. But he was pretending that his discourse was told by Socrates, who did not write (since he did not publish, he perished in the course of his academic fight.) | O texto de Platão é irônico, naturalmente. Platão
apresentava por escrito esse seu argumento contra a escrita. Entretanto,
ele pretendia que seu discurso fosse dito por Sócrates, que não
escrevia (e como não publicou, morreu no decorrer de sua luta
acadêmica).
N.T.: Uma referência à esquizofrenia acadêmica de nossos dias - publish or perish (publique ou morra) |
Nowadays, nobody shares these preoccupations, for two very simple reasons. First of all, we know that books are not ways of making somebody else think in our place; on the contrary they are machines that provoke further thoughts. Only after the invention of writing was it possible to write such a masterpiece on spontaneous memory as Proust's La Recherche du Temps Perdu. | Hoje, ninguém compartilha essas preocupações por duas razões muito simples. Antes de tudo, sabemos que os livros não são formas de substituir nosso pensamento; ao contrário, são máquinas que levam a pensar-se mais ainda. Só após a invenção da escrita é que foi possível escrever-se obras-primas sobre a memória espontânea como Em Busca do Tempo Perdido de Proust. |
Secondly, if once upon a time people needed to train their memory in order to remember things, after the invention of writing they had also to train their memory in order to remember books. Books challenge and improve memory; they do not narcotize it. | Em segundo lugar, se em outros tempos as pessoas precisavam treinar suas memórias para lembrarem-se das coisas, após a invenção da escrita tinham que as treinarem para lembrarem-se de livros. Os livros desafiam e melhoram a memória; não a entorpecem. |
However, the Pharaoh was instantiating an eternal fear: the fear that a new technological achievement could abolish or destroy something that we consider precious, fruitful, something that represents for us a value in itself, and a deeply spiritual one. | No entanto, o Faraó estava revelando um medo eterno: o medo de que um novo feito tecnológico pudesse abolir ou destruir algo que considerassemos precioso, útil, algo que representasse para nós um valor em sí profundamente espiritual. |
It was as if the Pharaoh pointed first to the written surface and then
to an ideal image of human memory, saying: "This will kill that."
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Foi como se o Faraó apontasse primeiro para a superfície
escrita e, depois, para uma imagem ideal da memória humana, dizendo:
"Isto matará aquilo".
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More than one thousand years later Victor Hugo in his Notre Dame de Paris,
shows us a priest, Claude Frollo, pointing his finger first to a book, then
to the towers and to the images of his beloved cathedral, and saying "ceci
tuera cela", this will kill that. (The book will kill the cathedral, alphabet
will kill images).
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Mais de um milênio depois Victor Hugo, em O Corcunda de Notre-Dame,
mostrou-nos um padre, Claude Frollo, apontando seu dedo primeiro para um
livro e, então, para as torres e as imagens dessa amada catedral,
dizendo "ceci tuera cela", isso matará aquilo. (O livro matará
a catedral, alfabeto matará imagens).
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The story of Notre Dame de Paris takes place in the XVth century, a little later than the invention of printing. Before that, manuscripts were reserved to a restricted elite of literate persons, but the only means to teach the masses about the stories of the Bible, the life of Christ and of the Saints, the moral principles, even the deeds of the national history or the most elementary notions of geography and natural sciences (the nature of unknown peoples and the virtues of herbs or stones), was provided by the images of the cathedral. | A estória de O Corcunda de Notre-Dame acontece no século XV, um pouco depois da invenção da imprensa. Antes disso, os manuscritos eram reservados a uma elite de pessoas letradas, mas as únicas formas de ensinar as massas sobre as estórias da Bíblia, como a vida de Cristo e dos Santos, os princípios morais, bem como os feitos da história nacional ou as mais elementares noções de geografia e ciências naturais (a natureza de pessoas desconhecidas e as virtudes de ervas ou rochas), eram supridos pelas imagens da catedral. |
A medieval cathedral was a sort of permanent and unchangeable TV program that was supposed to tell people everything indispensable for their everyday lives as well as for their eternal salvation. The book would have distracted people from their most important values, encouraging unnecessary information, free interpretation of the Scriptures, insane curiosity. | Uma catedral medieval era uma espécie de programa de TV imutável e permanente pressupondo dizer às pessoas tudo o que fosse indispensável para seu cotidiano bem como para sua salvação eterna. O livro poderia distrair as pessoas de seus mais importantes valores, encorajando informações desnecessárias, livre interpretação das Escrituras, curiosidade insana. |
During the sixties, Marshall McLuhan wrote his The Gutenberg Galaxy,
where he announced that the linear way of thinking instaured by the invention
of the press, was on the verge of being substituted by a more global way
of perceiving and understanding through the TV images or other kinds of
electronic devices. If not Mc Luhan, certainly many of his readers pointed
their finger first to a Manhattan Discotheque and then to a printed book
by saying "this will kill that."
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Nos anos 60, Marshall McLuhan escreveu sua A Galáxia de Gutenberg,
onde anunciava que a maneira linear de pensar instaurada pela
invenção da imprensa estava para ser substituida por uma forma
mais global de percepção e compreensão através
de imagens de TV ou outros tipos de dispositivos eletrônicos. Se não
McLuhan, certamente vários de seus leitores apontaram o dedo para
uma Discoteca de Manhattan e para um livro, dizendo "isso matará aquilo".
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The media needed a certain time to accept the idea that our civilization
was on the verge of becoming an image oriented one - which would have involved
a decline of literacy. Nowadays this is a common shibboleth for every weekly
magazine. What is curious is that the media started to celebrate the decline
of literacy and the overwhelming power of images just at the moment in which,
in the world scene, appeared the Computer.
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A mídia precisava de um certo tempo para aceitar a idéia
de que nossa civilização estava prestes a ser orientada por
imagem - que poderia envolver um declínio da alfabetização.
Hoje em dia isso é palavra de ordem para qualquer revista semanal.
O que é curioso é que a mídia começou a celebrar
o declínio da alfabetização e o poder esmagador da imagem
justamente no momento em que, na cena mundial, surgia o Computador.
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Certainly a computer is an instrument by means of which one can produce and edit images, certainly instructions are provided by means of icons; but it is equally certain that the computer has become, first of all, an alphabetic instrument. On its screen there run words, lines, and in order to use a computer you must be able to write and to read. The new computer generation is trained to read at an incredible speed. An old-fashioned university professor is today incapable of reading a computer screen at the same speed as a teen-ager. These same teen-agers, if by chance they want to program their own home computer, must know, or learn, logical procedures and algorithms, and must type words and numbers on a keyboard, at a great speed. | Certamente um computador é um instrumento por meio do qual pode-se produzir e editar imagens, certamente instruções são supridas por meio de ícones; porém, é igualmente certo que o computador vem a ser, antes de tudo, um instrumento alfabético. Em sua tela rolam palavras, linhas e, para usar um computador, você deve ser capaz de escrever e ler. A nova geração é treinada para ler em uma velocidade incrível. Um professor universitário ultrapassado é, hoje, incapaz de ler uma tela de computador na mesma velocidade que um adolescente. Esses mesmos adolescentes, se por acaso desejarem programar o seu próprio computador, devem saber, ou aprender, procedimentos lógicos e algorítmos, e digitar palavras e números no teclado a grande velocidade. |
In this sense one can say that the computer made us to return to a Gutenberg Galaxy. | Nesse sentido pode-se dizer que o computador nos faz retornar à Galáxia de Gutenberg. |
People who spend their night implementing an unending Internet conversation are principally dealing with words. If the TV screen can be considered a sort of ideal window through which one watches the whole world under the form of images, the computer screen is an ideal book on which one reads about the world in form of words and pages. | Pessoas que passam a noite implementando intermináveis conversações pela Internet estão, principalmente, trabalhando com palavras. Se a TV pode ser considerada como um tipo de janela ideal através da qual vê-se o mundo todo sob a forma de imagens, a tela do computador é um livro ideal no qual se lê sobre o mundo na forma de palavras e páginas. |
The classical computer provided a linear sort of written communication. The screen was displaying written lines. It was like a fast-reading book. | O computador clássico supria uma forma linear de comunicação escrita. A tela mostrava linhas escritas. Era como um livro de leitura rápida. |
But now there are hypertexts. In a book one had to read from left to right (or right to left, or up to down, according to different cultures) in a linear way. One could obviously skip through the pages, one - once arrived at page 300 - could go back to check or re-read something at page 10 - but this implied a labor, I mean, a physical labor. On the contrary a hypertext is a multidimensional network in which every point or node can be potentially connected with any other node. | Hoje há hipertextos. Em um livro tem-se que ler da esquerda para a direita (ou da direita para a esquerda, ou de cima para baixo, de acordo com diferentes culturas) em uma forma linear. Pode-se saltar páginas, pode-se - já alcançada a página 300 - voltar para checar ou reler algo na página 10 - porém isso implica em trabalho, digo, trabalho físico. Ao contrário, um hipertexto é uma rede multidimensional onde cada ponto ou nó pode, potencialmente, ligar-se a outro. |
Thus we have arrived at the final chapter of our is-will-kill-that story. It is more and more stated that in the near future hypertextual Cd-roms will replace books. | Então chegamos ao final de nossa estória do isso-matará-aquilo. É mais ou menos declarado que no futuro próximo o cd-rom hipertextual substituirá livros. |
With a hypertextual diskette books are supposed to become obsolete. If you even consider that a hypertext is usually also multimedial, the complete hypertextual diskette will in the next future replace not only books but also videocassettes and many other supports. | Com um disquete hipertextual os livros são supostos virem a ser obsoletos. Se você considerar que um hipertexto é, em geral, também multimídia, o disquete hipertextual completo substituirá, no futuro próximo, não apenas livros, mas também videocassetes e várias outras mídias. |
Now we must ask ourselves if such a perspective is a realistic one or is mere science-fiction - as well as if the distinction we have just outlined between visual and alphabetic communication, books and hypertexts is really that simple. Let me list a series of problems and possible perspectives for our future. | Agora devemos perguntar-nos se tal perspectiva é realista ou mera ficção científica - bem como se a distinção que esboçamos, entre a comunicação visual e a alfabética, livros e hipertextos, realmente é assim tão simples. Deixe-me listar uma série de problemas e possíveis perspectivas para o nosso futuro. |
Even after the invention of printing books have never been the only instrument for acquiring information. There were paintings, popular printed images, oral teaching, and so on. One can say that books were in any case the most important instrument for transmitting scientifical information, including news about historical events. In this sense they were the paramount instrument used in schools. | Mesmo após a invenção da imprensa, os livros nunca foram a única maneira de obter-se informação. Havia pinturas, imagens populares impressas, instrução oral, e por aí vai. Pode-se dizer que os livros foram, de algum jeito, o instrumento mais importante na transmissão de informação científica, incluindo notícias de eventos históricos. Neste sentido, foram o instrumento supremo usado nas escolas. |
With the diffusion of the various mass media, from cinema to television, something has changed. | Com a difusão de várias mídias de massas, do cinema à televisão, alguma coisa mudou. |
Years ago the only way to learn a foreign language (outside of traveling abroad) was to study a language from a book. Now our kids frequently know other languages by listening to records, by watching movies in the original edition, by deciphering the instructions printed on a beverage can. The same happens with geographical information. In my childhood I got the best of my information about exotic countries not from textbooks but by reading adventure novels (Jules Verne, for instance). My kids very early knew more than me on the same subjects from watching TV and movies. One could learn very well the story of the Roman Empire through movies, provided that movies were historically correct. The fault of Hollywood is not to have opposed its movies to the books of Tacitus or of Gibbon, but rather to have imposed a pulp- and romance-like version on both Tacitus and Gibbon. | Anos atrás, a única forma de aprender uma língua estrangeira (sem viajar-se) era estudá-la em livros. Agora nossos filhos freqüentemente conhecem outras línguas ouvindo gravações, assistindo filmes no original, decifrando instruções em uma latinha de bebida. O mesmo acontece com informação geográfica. Em minha infância, adquiria informações sobre paises exóticos não lendo livros-texto, mas lendo romances de aventuras (Jules Verne, por exemplo). Meus filhos, muito cedo, aprenderam mais que eu sobre os mesmos assuntos assistindo TV e filmes. Poder-se-ia aprender muito bem a estória do Império Romano através de filmes, supondo-se que os filmes fossem históricamente corretos. O pecado de Howllyood não é opor seus filmes aos livros de Tácitus ou de Gibbon, mas antes o de ter imposto uma versão romanceada e sensacionalista sobre ambos, Tácitus e Gibbon. |
A good educational tv program (not to speak of a CD-ROM) can explain genetics better than a book. | Um bom programa educacional de TV (para não falar de um CD-ROM) pode explicar genética melhor que um livro. |
Today the concept of literacy comprises many media. An enlightened policy of literacy must take into account the possibilities of all of these media. Educational preoccupation must be extended to the whole of media. Responsibilities and tasks must be carefully balanced. If for learning languages, tapes are better than books, take care of cassettes. If a presentation of Chopin, with commentary on compact disks, helps people to understand Chopin, don't worry if people do not buy five volumes of the history of music. | Hoje o conceito de alfabetização compreende várias mídias. Uma boa política de alfabetização considera as possibilidades dessas mídias todas. A preocupação educacional deve ser estendida ao conjunto das mídias. Responsabilidades e tarefas devem ser cuidadosamente balanceadas. Se, para aprender línguas, fitas são melhores que livros, trate com cuidado suas fitas cassetes. Se uma apresentação de Chopin, com comentários em CD's, ajuda as pessoas a entender Chopin, não se aborreça se elas não comprarem cinco volumes da história da música. |
Even if it were true that today visual communication overwhelms written communication, the problem is not to oppose written to visual communication. The problem is how to improve both. | Mesmo se fosse verdade que hoje a comunicação visual esmaga a comunicação escrita, o problema não é opor-se a comunicação visual à escrita. O problema é como melhorar ambas. |
In the Middle Ages visual communication was, for the masses, more important than writing. | Na Idade Média, a comunicação visual era, para as massas, mais importante que a escrita. |
But Chartres Cathedral was not culturally inferior to the Imago Mundi of Honorius of Autun. | Porém, a Catedral de Chartres não era culturalmente inferior ao Imago Mundi de Honorius de Autun. |
Cathedrals were the TV of those times, and the difference from our TV was that the directors of the medieval TV --read: good books-- had a lot of imagination, and worked for the public profit (or, at least, for what they believed to be public profit). | As catedrais eram as TVs daqueles tempos, e a diferença para as nossas TVs era que os diretores da TV medieval liam bons livros, tinham um pouco de imaginação, e trabalhavam para o benefício do público (ou, pelo menos, para o que eles entendiam ser o benefício do público). |
The real problems lay elsewhere. Visual communication has to be balanced with the verbal one, and mainly with the written one for a precise reason. Once, a semiotician, Sol Worth, wrote a paper, "Images cannot say Ain't". I can verbally say "Unicorns do not exist" but if I show the image of a unicorn the unicorn is there. Moreover, is the unicorn I see a unicorn or the unicorn, that is, does it stand for a given unicorn or for the unicorns in general? | Os problemas reais estão em outro lugar. A comunicação visual tem de ser balanceada com a verbal e, principalmente, com a escrita por uma razão precisa. Uma vez, um semiótico, Sol Worth, escreveu um artigo, "Imagem não pode dizer não sou". Eu posso dizer "Unicórnios não existem", mas se eu mostro a imagem de um unicórnio o unicórnio está lá. Além disso, eu vejo um unicórnio ou o unicórnio, isto é, se refere a um dado unicórnio ou a unicórnios, em geral? |
This problem is not as immaterial as it can seem, and many many pages
have been written by logicians and semioticians on the difference between
such expressions as a child, the child, this child, all children, childhood
as a general idea. Such distinctions are not so easy to display through images.
Nelson Goodman in his Languages of Art wondered if a picture representing
a woman
is the representation of Women in general, the portrait of a given woman, the example of the general characteristics of a woman, the equivalent of the statement there is a woman looking at me. |
Esse problema não é imaterial como pode parecer, e várias
páginas foram escritas por lógicos e semióticos sobre
a diferença entre expressões tais como criança, a
criança, essa criança, todas as crianças,
a infância como idéia geral. Tais distinções
não são fáceis de mostrar através de imagens.
Nelson Goodman, em seu Linguagens da Arte, perguntava se uma figura representando
uma mulher
é a representação da mulher em geral, a descrição de uma dada mulher, o exemplo das características gerais de uma mulher, o equivalente da declaração de que há uma mulher me olhando. |
One can say that in a poster or on an illustrated book, the caption or other forms of written material can help to understand what the image means. But I want to remind you about a rhetorical device called example, on which Aristotle spent some interesting pages. In order to convince somebody about a given matter, the most convincing is a proof by induction. In induction I provide many cases and then I infer that probably they instantiate a general law. | Pode-se dizer que um poster ou um livro ilustrado, a legenda ou outras formas de material escrito podem ajudar a entender o que a imagem significa. Porém, eu quero lembrá-lo sobre um dispositivo retórico chamado exemplo, no qual Aristóteles gastou algumas páginas interessantes. Para convencer alguém sobre um dado assunto, o mais convincente é uma prova por indução. Na indução eu forneço vários casos e, então, eu infiro o que provavelmente dará margem a uma lei geral. |
Suppose I want to demonstrate that dogs are friendly and love their masters: I provided many cases in which a dog has proved to be friendly and helpful and I suggest that there must be a general law by which every animal belonging to the species of dogs is friendly. | Suponha que eu queira demonstrar que cães são amigáveis e adoram seus donos. Eu forneço vários casos nos quais um cão provou ser amigo solícito e eu sugiro que deve haver uma lei geral pela qual todo animal pertencente à espécie canina é amigável. |
Suppose now I want to persuade you that dogs are dangerous. I can do this by providing you with an example: "Once, a dog killed its master...." As you easily understand, a single case does not prove anything, but if the example is shocking I can surreptitiously suggest that dogs can even be unfriendly, and once you are convinced that it can be so, I can unduly extrapolate a law from a single case and conclude: "this means that dogs cannot be trusted." With the rhetorical use of the example I shift from a dog to all dogs. | Suponha que eu queira persuadi-lo de que os cães são perigosos. Posso fazer isso fornecendo um exemplo: "Uma vez, um cão matou o seu dono ..." Como você facilmente entende, um único caso nada prova, mas se o exemplo é chocante, eu posso de repente sugerir que cães podem mesmo ser não amigáveis e, uma vez que você esteja convencido que pode ser assim, posso indevidamente extrapolar uma lei a partir de um único caso e concluir: "cães não são confiáveis". Usando a retórica do exemplo eu desloquei o foco de um cão para todos os cães. |
If you have a critical mind you can realize that I have manipulated a verbal expression (a dog was bad) so to transform it into another one (all dogs are bad) which does not mean the same thing. But if the example is a visual rather than a verbal one, the critical reaction is made more difficult. If I show you the poignant image of a given dog biting its master it is very difficult to discriminate between a particular and a general statement. It is easy to take that dog as the representative of its species. Images have, so to speak, a sort of Platonic power: they transform individuals into general ideas. | Se você tem uma mente crítica você pode constatar que eu manipulei a expressão verbal (um cão era mau) para transformá-la em outra (todos os cães são maus), que não significa a mesma coisa. Mas, se o exemplo é visual ao invés de verbal, a reação crítica é muito mais difícil. Se eu lhe mostro a imagem pungente de um cão mordendo seu dono, é muito difícil discriminar entre uma declaração particular e uma geral. É fácil tomar um cão como representativo de sua espécie. As imagens possuem, por assim dizer, um tipo de poder Platônico: elas transformam idéias individuais em idéias gerais. |
Thus by a purely visual communication and education it is easier to implement persuasive strategies that reduce our critical power. If I read on a newspaper that a given man said "we want mister X as president" I am aware that I was given the opinion of a given man. But if I watch on the TV screen a man saying enthusiastically "we want mister X as president" it is easier to take the will of that individual as the example of the general will. | Então, por educação e por comunicação puramente visual, é mais fácil implementar estratégias persuasivas que reduzam nosso poder crítico. Se eu leio em um jornal que um dado homem disse "queremos o senhor X para presidente" eu estou ciente que era a opinião de um dado homem. Porém, se eu vejo na TV um homem dizendo entusiasticamente "queremos o sr. X para presidente", é mais fácil tomar a vontade daquele indivíduo como o exemplo da vontade geral. |
Frequently I think that our societies will be split in a short time (or they are already split) into two classes of citizens: those who only watch TV, who will receive pre-fabricated images and therefore prefabricated definitions of the world, without any power to critically choose the kind of information they receive, and those who know how to deal with the computer, who will be able to select and to elaborate information. This will re-establish the cultural division which existed at the time of Claude Frollo, between those who were able to read manuscripts, and therefore to critically deal with religious, scientifical or philosophical matters, and those who were only educated by the images of the cathedral, selected and produced by their masters, the literate few. | As vezes penso que as nossas sociedades, em breve, serão divididas (ou já o estão) em duas classes de cidadãos: os que vêem TV, que recebem imagens pré-fabricadas e, portanto, definições pré-fabricadas do mundo, sem qualquer poder para escolher criticamente o tipo de informação que recebe, e os que sabem como trabalhar com o computador, que serão capazes de escolher e elaborar informação. Isso reestabelecerá a divisão cultural que existia no tempo de Claude Frollo, entre aqueles que eram capazes de ler manuscritos e, portanto, trabalhar criticamente com assuntos religiosos, científicos ou filosóficos, e aqueles que eram educados apenas pelas imagens da catedral, escolhidas e produzidas por seus mestres, os poucos alfabetizados. |
A science fiction writer could elaborate a lot on a future world where a majority of proletarians will receive only visual communication planned by an élite of computer-literate people. | Um escritor de ficção científica poderia elaborar algo sobre um mundo futuro, onde a maioria dos proletários receberia apenas comunicação visual planejada por uma elite de pessoas alfabetizadas digitalmente. |
There are two sorts of books: these to be read and these to be consulted. | Há dois tipos de livros: aqueles para serem lidos e aqueles para serem consultados. |
As far as books-to-read are concerned (they can be a novel, or a philosophical treatise, or a sociological analysis, and so on) the normal way of reading them is the one that I would call the detective-like story. | Livros-para-ler (podendo ser romance, tratado filosófico, análise sociológica, e assim por diante), que usam a forma normal de leitura, constituem o que eu chamaria de estória de detetive. |
You start from page 1, where the author tells you that a crime has been committed, you follow every path of the detection until the end, and finally you discover that the guilty one was the butler. End of the book and end of your reading experience. Remark that the same happens even if you read, let us say, Descartes' Discourse de la methode. The author wanted you to open the book at its first page, to follow the series of questions he proposed, to see how he reaches certain final conclusions. Certainly, a scholar, who already knows that book, can re-read it by jumping from one page to another, trying to isolate a possible link between a statement of the first chapter and one of the last one... A scholar can also decide to isolate, let us say, every occurrence of the word Jerusalem in the immense opus of Thomas Aquinas, thus skipping thousands of pages in order to focus his or her own attention on the only passages dealing with Jerusalem... But these are ways of reading that the layman would consider as unnatural. | Você começa na página 1, onde o autor lhe diz que um crime foi cometido, você segue todo o caminho da investigação até o final e, finalmente, você descobre que o culpado é o mordomo. É o fim do livro e o fim de sua experiência de leitura. Observe que o mesmo acontece quando você lê, digamos, o Discurso do Método, de Descartes. O autor queria que você abrisse o livro na primeira página, seguisse a série de questões proposta por ele, para ver como ele alcança certas conclusões finais. Certamente, uma pessoa letrada que já conheça o livro pode relê-lo saltando de uma página a outra, tentando isolar a ligação entre uma declaração do primeiro capítulo e uma do último ... Pode também decidir isolar, digamos, toda ocorrência da palavra Jerusalem no opus imenso de Tomás de Aquino e, então, saltar milhares de páginas de modo a focar sua atenção nas únicas passagens onde está contida a palavra Jerusalem ... Mas estas são maneiras de se ler que o leigo poderia considerar como uma forma não natural. |
Then there are the books to be consulted, like handbooks and encyclopedias. Sometimes handbooks must be read from the beginning to the end; but when one knows the matter enough, one can consult them, so selecting also certain chapters or passages. When I was in high-school I had to read entirely, in a linear way, my handbook on mathematics; today, if I need a precise definition of logarithm, I only consult it. I keep it on my shelves not to read and re-read it every day, but in order to keep it up once in ten years, to find the item I need to consult it about. | Depois há os livros para serem consultados, como manuais e enciclopédias. Algumas vezes os manuais devem ser lidos do começo para o fim; porém, quando se sabe o assunto o suficiente, pode-se consultá-lo escolhendo-se certos capítulos e passagens. Quando eu estava na escola secundária tinha que ler inteiramente, de forma linear, meu manual de matemática; hoje, se eu preciso de uma definição de logarítmo, eu apenas o consulto. Eu o mantenho na prateleira não para o ler e o reler, mas para consultá-lo uma vez em dez anos, encontrando o ítem que desejar. |
Encyclopedias are conceived in order to be always consulted and never read from the first to the last page. Usually one pick up a given volume of one's encyclopedia to know or to remember when Napoleon died or what is the formula of sulfuric acid. | As enciclopédias são concebidas de sorte a serem sempre consultadas e nunca para serem lidas da primeira a última página. Geralmente pega-se um dado volume de uma enciclopédia para saber-se, ou lembrar-se, quando Napoleão morreu ou qual é a fórmula do ácido sulfúrico. |
Scholars use encyclopedias in a more sophisticated way. For instance,
if I want to know whether it was possible or not that Napoleon met Kant,
I have to pick up the volume K and the wolume N of my encyclopedia: I discover
that Napolen was born in 1769 and died in 1821, Kant was born in 1724 and died in 1804, when Napoleon was already emperor. It is not impossible that the two met. I have probably to consult a biography of Kant, or of Napoleon - but in a short biography of Napoleon, who met so many persons in his life, this possible meeting with Kant can be disregarded, while a in a biography of Kant a meeting with Napoleon should be recorded. In brief, I must leaf through many books in many shelves of my library, I must take notes in order to compare later all the data I collected, and so on. In short, all this will cost to me a painful physical labor. |
Pessoas letradas usam enciclopédias de uma forma mais sofisticada. Por exemplo, se desejo saber se é possível ou não que Napoleão tenha se encontrado com Kant, pegarei o volume K e o volume N de minha enciclopédia: descobri que Napoleão nasceu em 1769 e morreu em 1821, Kant nasceu em 1724 e morreu em 1804, quando Napoleão já era imperador. Não é impossível que tenham se encontrado. Tenho, provavelmente, que consultar a biografia de Kant, ou de Napoleão - mas, em uma curta biografia de Napoleão, que se encontrou com tantas pessoas em sua vida, um possível encontro com Kant pode ser desconsiderado, enquanto que em biografia de Kant, tal encontro seria lembrado. Em suma, devo folhear vários livros nas estantes de minha biblioteca, tomar notas para comparar dados coletados, e assim por diante. Enfim, custará um penoso trabalho físico. |
With a hypertext, instead, I can navigate through the whole encyclopedia. I can connect an event registered at the beginning with a series of similar events disseminated all along the text, I can compare the beginning with the end, I can ask for the list of all the words beginning by A, I can ask for all the cases in which the name of Napoleon is linked with the one of Kant, I can compare the dates of their birth and death - in short, I can do my job in few seconds or few minutes. | Em um hipertexto, em vez disso, posso navegar pela enciclopédia inteira. Posso ligar um evento registrado no começo com uma série de eventos similares ao longo do texto, comparar o começo com o final, perguntar pela lista de todas as palavras começando por A, perguntar por todos os casos nos quais o nome de Napoleão está vinculado com o de Kant, comparar as datas de seus nascimentos e mortes - em suma, posso realizar minhas tarefas em segundos ou minutos. |
Hypertexts will certainly render obsolete encyclopedias and handbooks. In few Cd-roms (probably soon in a single one) it is possible to store more information than in the whole Encyclopedia Britannica, with the advantage that it permits crossed references and non-linear retrieval of information. The whole of the compact disks , plus the computer, will occupy one fifth of the space occupied by an encyclopedia. The encyclopedia cannot be transported as the CD-ROM can, the encyclopedia cannot be easily updated. The shelves today occupied, at my home as well as in public libraries, by meters and meters of encyclopedia could be eliminated in the next future, and there will be no reasons to complain for their disappearance. | Hipertextos tornarão obsoletos enciclopédias e manuais. Em alguns CD-ROMs (provavelmente logo em um único) é possível armazenar mais informação que na Enciclopédia Britânica toda, com a vantagem de permitir referências cruzadas e recuperação não linear de informações. O conjunto CD mais o computador ocupará um quinto do espaço ocupado pela enciclopédia. A enciclopédia não pode ser transportada como o pode o CD-ROM, a enciclopédia não pode ser atualizada facilmente. As estantes hoje ocupadas, em minha casa bem como em bibliotecas públicas, por metros e metros de enciclopédia poderiam ser eliminadas em um futuro próximo, e não haverá razão para lamentos sobre o seu desaparecimento. |
Can a hypertextual disk replace the books to be read? This question conceals in fact two different problems and could be rephrased as two different questions. | Pode um disco hipertextual substituir os livros de leitura? Essa questão esconde, de fato, dois problemas distintos e poderia ser colocada como duas questões diferentes: |
(I) First, a practical one: Can some electronic support replace the books-to-read? | (I) Primeiro, uma questão prática: pode algum suporte eletrônico substituir os livros-pra-ler? |
(II) Second an theoretical and an esthetical one: Can a hypertextual and multimedial CD-ROM transform the very nature of a book-to-read, such as a novel or a collection of poems? | (II) Segundo, uma questão teórica e estética: pode um CD-ROM hipertextual e multimídia transformar a natureza de um livro-pra-ler, tal como um romance ou uma coleção de poemas? |
Let me first answer the first question. Books will remain indispensable not only for literature, but for any circumstance in which one needs to read carefully, not only to receive information but also to speculate and to reflect about it. To read a computer screen is not the same as to read a book. | Antes, deixe-me responder a primeira questão. Livros continuarão indispensáveis não só para a literatura, mas em qualquer circunstância onde se precisa ler cuidadosamente, não apenas receber informação mas também especular e refletir. Ler uma tela não é o mesmo que ler um livro. |
Think to the process of learning a new computer program. Usually the program is able to display on the screen all the instructions you need. But usually the users who want to learn the program either print the instructions and read them as if they were in book form, or they buy a printed manual (let me underevaluate the fact that presently all the computer's Helps are clearly written by irresponsible and tautological idiots, while commercial handbooks are written by smart people). It is possible to conceive of a visual program that explains very well how to print and bind a book, but in order to get instructions on how to write (or how to use) a computer program, we need a printed handbook. | Imagine o processo de aprender um novo programa de computador. Em geral, o programa mostra na tela todas as instruções que você precisa. O usuário que quer aprender, no entanto, ou imprime as instruções e as lê na forma de livro ou compra o manual impresso (fico indignado com o fato de, atualmente, todos os Helps computacionais claramente serem escritos por irresponsáveis e idiotas tautológicos, enquanto que os manuais comerciais o são por pessoas inteligentes). É possível imaginar um programa visual que explique muito bem como imprimir e encadernar um livro, mas para obter-se instruções de como escrever (ou como usar) um programa de computador, precisamos de um manual impresso. |
After having spent no more than 12 hours at a computer console, my eyes are like two tennis balls, and I feel the need of sitting comfortably down in an armchair and reading a newspaper, and maybe a good poem. I think that computers are diffusing a new form of literacy but are incapable of satisfying all the intellectual needs they are stimulating. | Depois de não mais que 12 horas na frente do computador, meus olhos mais se parecem com duas bolas de tenis e sinto a necessidade de sentar-me confortavelmente em uma poltrona e ler um jornal, ou um bom poema. Penso nos computadores difundindo uma nova forma de literatura, mas sendo incapazes de satisfazer as necessidades intelectuais que estimulam. |
In my hours of optimism I dream of a computer generation which, compelled to read a computer screen, gets acquainted with reading, but at a certain moment feels unsatisfied and looks for a different, more relaxed and differently-committing form of reading. | Em minhas horas de otimismo sonho com uma geração de computadores em que, compelido a ler a tela, consiga me familiarizar com a leitura, mas em certos momentos sinto-me insatisfeito e procuro uma forma de leitura mais relaxada e confiável. |
During a symposium on the future of books held at the university of San Marino (the proceedings are now published by Brepols), Regis Debray has observed that the fact that Hebrew civilization was a civilization based upon a Book is not independent on the fact that it was a nomadic civilization. I think that this remark is very important. Egyptians could carve their records on stone obelisks, Moses could not. If you want to cross the Red Sea, a scroll is a more practical instrument for recording wisdom. By the way, another nomadic civilization, the Arabic one, was based upon a book, and privileged writing over images. | Durante um simpósio sobre o futuro dos livros na Universidade de San Marino (os anais do simpósio foram agora publicados pela Brepols), Regis Debray observou que o fato da civilização hebráica ter sido uma civilização baseada em um livro não é independente do fato da mesma ser nômade. Penso ser esta observação importante. Os egípcios poderiam esculpir seus registros em obelisco de pedra, Moisés não. Se você quer cruzar o Mar Vermelho, um papiro é o instrumento mais prático sob a luz do bom senso. A propósito, outra civilização, a árabe, foi baseada em um livro, e privilegiou a escrita sobre a imagem. |
But books also have an advantage in respect to computers. Even if printed in modern acid paper, which lasts only 70 years or so, they are more durable than magnetic supports. Moreover, they do not suffer of power shortage and black outs, and are more resistant to shocks. Up to now, books still represent the more economical, flexible, wash-and-wear way to transport information at a very low cost. | Mas os livros também possuem uma vantagem sobre os computadores. Ainda que o papel moderno dure apenas 70 anos, ou algo assim, dura mais que suportes magnéticos. Além disso, não sofrem com falta de energia e blecaute. Até agora os livros ainda representam a maneira mais econômica, flexível e limpa de transportar informação em um custo muito baixo. |
Computers communication travels ahead of you, books travel with you and at your speed, but if you shipwreck in a desert island, a book can serve you, while you don't have any chance to plug a computer anywhere. And even though your computer has solar batteries you cannot easily read it while laying on a hammock. Books are still the best companions for a shipwreck, or for the Day After. | A comunicação por computadores viaja na sua dianteira, os livros viajam com você e na sua velocidade, porém se você naufraga em uma ilha deserta, um livro pode serví-lo, enquanto o seu computador não poderá ser ligado em nenhum lugar. Mesmo se tiver baterias solares, a sua leitura não será fácil se você estiver deitado em uma rede. Os livros são ainda a melhor companhia para um náufrago, ou para o Day After. |
For scholarly purposes a book-to-read can be transformed into a hypertextual CD-ROM. A scholar may need to know, let us say, how many times the word good appears in the Paradise Lost. | Para efeitos acadêmicos, um livro pode ser tranformado em um CD-ROM hipertextual. Uma acadêmico pode querer saber quantas vezes a palavra bom aparece em O Paraiso Perdido. |
However there are today new hypertextual poetics according to which even a book-to-read, even a poem can be transformed into a hypertext. At this point we are shifting to question two, since the problem is no more a practical one: it concern the very nature of the reading process. | Entretanto, há hoje novos poemas hipertextuais nos quais até um livro-pra-ler, ou um poema, pode ser transformado em um hipertexto. Neste ponto estamos nos deslocando para duas questões, pois o problema não é mais prático: se refere à natureza do processo de leitura. |
Conceived in a hypertextual way even a detective story can be structured in a open way, so that its readers can even select a given reading-path, that is, to build up their own personal story - even to decide that the guilty one can and must be the detective instead of the butler. | Concebida como hipertexto, uma estória de detetive pode ser estruturada de uma forma aberta, tal que seus leitores possam selecionar um caminho de leitura, isto é, construir sua própria estória - decidir que o culpado pode e deve ser o detetive, ao invés do mordomo. |
Such an idea is not a new one. Before the invention of the computer,
poets and narrators have dreamt of a totally open text that the readers could
infinitely re-write in different ways. Such was the idea of Le Livre, as
extolled by Mallarmé; Joyce thought of his Finnegans Wake as a text
that could be read by an ideal reader affected by an ideal insomnia. In
the sixties Max Saporta wrote and published a novel whose pages could be displaced so as to compose different stories. Nanni Balestrini gave one of the early computers a disconnected list of verses that the machine put together in different ways so to compose different poems; Raymond Queneau invented a combinatorial algorithm by virtue of which it was possible to compose, from a finite set of lines, billions of poems. Many contemporary musicians have produced musical movable scores, and by manipulating them one can compose different musical performances. |
Tal idéia não é nova. Antes da invenção do computador, os poetas e narradores sonharam com textos abertos onde os leitores poderiam infinitamente reescrevê-los em diferentes formas. Essa era a idéia de O Livro, exaltado por Mallarmé; Joyce imaginou seu Finnegans Wake como um texto que poderia ser lido por um leitor ideal acometido por uma insônia ideal. Nos anos 60 Max Saporta escreveu e publicou um romance cujas páginas poderiam ser desordenadas dando origem a diferentes estórias. Nanni Balestrini forneceu uma lista de versos desconexos a um computador para que os juntasse de formas diferentes para compor diferentes poemas. Raymond Queneau inventou um algorítmo combinatorial cuja virtude era possibilitar compor, a partir de um conjunto finito de linhas, bilhões de poemas. Vários músicos contemporâneos produziram partituras que, por manipulação, podiam conduzir a diferentes espetáculos musicais. |
As you have probably realized, even here one is dealing with two different problems. | Como você, provavelmente, já constatou, até aqui se trabalhou com dois diferentes problemas. |
(I) The first is the idea of a text which is physically movable. Such
a text should give the impression of the absolute freedom on the part of the reader; but this is only an impression, an illusion of freedom. The only machinery that allows one to produce infinite texts already existed from millennia, and it is the alphabet. With a reduced number of letters one can produce, really, billions of texts, and this is exactly what has been done from Homer to the present days. A stimulus-text which provides us not with letters, or words, but with pre-established sequences of words, or of pages, does not set us free to invent anything we want. We are only free to move in a finite number of ways pre-established textual chunks. |
(I) Primeiro é a idéia de um texto fisicamente móvel. Tal texto poderia dar a impressão de absoluta liberdade por parte do leitor; mas esta é apenas uma impressão, uma ilusão de liberdade. O único maquinário que permite produzir-se infinitos textos já existe há milenios, e se chama alfabeto. Com um número reduzido de letras pode-se produzir, realmente, bilhões de textos, e isso é, exatamente, o que foi feito de Homero até os nossos dias. Um texto-estímulo que nos dê não letras, ou palavras, mas seqüências pré-estabelecidas de palavras, ou de páginas, não nos dá a liberdade de inventar algo que queiramos. Apenas temos liberdade para mover, em um número finito de formas pré-estabelecidas, pedaços de texto. |
But I, as a reader, do have this freedom even when I read a traditional
detective novel. Nobody forbids me from imagining a different end. Given
a novel where two lovers die I, as a reader, can either cry on their fate,
or to try to imagine a different end in which they survive and live happy
forever. In a way I, as a reader, feel more free with a physically finite
text, on which I can muse for years, than with a movable one where only some manipulations are permitted. |
Mas eu, como leitor, tenho essa liberdade quando leio um romance policial tradicional. Ninguém me proibe de imaginar um final diferente. Num romance onde dois amantes morrem eu, como leitor, posso ou chorar sobre sua sorte ou tentar imaginar um final diferente, no qual eles sobrevivem e vivem felizes para sempre. De certa forma eu, como leitor, me sinto mais livre com um texto fisicamente finito, pois posso meditar por anos, do que com um móvel com poucas manipulações permitidas. |
(ii) This possibility leads us to the second problem which concerns
a text which is physically finite and limited but that can be interpreted
in infinite, or at least in many ways. This has been in fact the aim
of every poet or narrator. But a text which can support many interpretations
is not a text which can support every interpretation. |
(II) Essa possibilidade nos leva ao segundo problema, referente a um texto que é fisicamente finito e limitado, mas que permite ser interpretado de infinitas (ou, pelo menos, várias) formas. Isso tem sido o objetivo de todo poeta ou narrador. Mas um texto que suporta várias interpretações não é um texto que suporta qualquer interpretação. |
I think that we are confronted with three different ideas of hypertext. First of all, we should make a careful distinction between systems and texts. A system (for instance a linguistic system) is the whole of the possibilities displayed by a given natural language. Every linguistic item can be interpreted in terms of other linguistic or other semiotic items, a word by a definition, an event by an example, a natural kind by an image, and so on and so forth. The system is perhaps finite but unlimited. You go in a spiral-like movement ad infinitum. In this sense certainly all the conceivable books are comprised by and within a good dictionary and a good grammar. If you are able to use the Webster you can write both the Paradise Lost and Ulysses. | Penso que nos confrontamos com três idéias de hipertexto diferentes. Primeiro, deveriamos fazer uma distinção precisa entre sistemas e textos. Um sistema (por exemplo, um sistema lingüístico) é o conjunto de possibilidades exibido por uma determinada linguagem natural. Todo ítem lingüístico pode ser interpretado em termos de ítens ligüísticos ou semióticos, uma palavra por uma definição, um evento por um exemplo, uma espécie natural por uma imagem, e assim por diante. O sistema é, talvez, finito mas ilimitado. Segue como espiral ad infinitum. Assim, certamente todos os livros concebíveis são compreendidos por e dentro de um bom dicionário e uma boa gramática. Se você é capaz de usar o Webster você pode escrever tanto Paraiso Perdido quanto Ulisses. |
Certainly, if conceived in such a way, a hypertext can transform every reader into an author. Give the same hypertextual system to Shakespeare and a schoolboy, and they have the same odds of producing Romeo and Juliet. | Certamente, se concebido dessa forma, um hipertexto pode transformar todo leitor em um autor. Dado o mesmo sistema hipertextual para Shakespeare e para um estudante, eles tem a mesma chance de produzir Romeu e Julieta. |
However a text is not a linguistic or an encyclopedic system. A given text reduces the infinite or indefinite possibilities of a system to make up a closed universe. Finnegans Wake is certainly open to many interpretations, but it is sure that it will never provide you the demonstration of Fermat's theorem, or the complete bibliography of Woody Allen. This seems trivial, but the radical mistake of irresponsible deconstructionists was to believe that you can do everything you want with a text. This is blatantly false. A textual hypertext is finite and limited, even though open to innumerable and original inquiries. FIG.6 | Mas um texto não é um sistema lingüístico ou enciclopédico. Um texto reduz as possibilidades infinitas ou indefinidas de um sistema para produzir um universo fechado. Finnegans Wake é, certamente, aberto a várias interpretações, mas é certo que nunca lhe ajudará na demonstração do Teorema de Fermat, ou na bibliografia completa de Wood Allen. Parece trivial, mas o erro radical de desconstrucionistas irresponsáveis era entender que podia fazer qualquer coisa que você quisesse com um texto. Isso é gritantemente falso. Um hipertexto textual é finito e limitado, embora aberto a inumeráveis e originais perguntas. |
Hypertext can work very well with systems, they cannot work with texts. Systems are limited but infinite. Texts are limited and finite, even they can allow for a high number of possible interpretations (but they do not justify every possible interpretation). | Hipertextos podem trabalhar muito bem com sistemas, já com textos não. Sistemas são limitados mas infinitos. Textos são limitados e finitos, mesmo que permitam um grande número de interpretações (mas eles não justificam toda interpretação possível). |
There is however a third possibility. We may conceive of hypertexts which are unlimited and infinite. Every user can add something, and you can implement a sort of jazz-like unending story. At this point the classical notion of authorship certainly disappears, and we have a new way to implement free creativity. Being the author of the Open Work I cannot but hail such a possibility. However there is a difference between implementing the activity of producing texts and the existence of produced texts. | Há, no entanto, uma terceira possibilidade. Pode-se imaginar hipertextos ilimitados e infinitos. Todo usuário pode adicionar algo, e você pode implementar uma espécie de estórias sem fim, como jazz. Neste ponto a noção clássica de autoria certamente desaparece, e temos uma nova forma de implementar livre criatividade. Sendo autor de Open Work não posso senão saudar tal possibilidade. No entanto, há uma diferença entre implementar a atividade de produção de textos e a existência de textos produzidos. |
We shall have a new culture in which there will be a difference between producing infinite texts and interpreting precise and finite texts. That is what happens in our present culture, in which we evaluate differently a recorded performance of Beethoven's Fifth and a new instance of a New Orleans Jam Session. | Deveriamos ter uma nova cultura na qual haverá uma diferença entre produzir textos infinitos e interpretar textos precisos e finitos. Isso é o que acontece em nossa cultura atual, na qual avaliamos diferentemente uma interpretação gravada da Quinta de Beethoven e uma nova instância de uma sessão de New Orleans Jam. |
We are marching towards a more liberated society in which free creativity
will co-exist with textual interpretation. I like this. But we must not say
that we have substituted a old thing with another one. We have both, thanks God. TV zapping is a kind of activity which has nothing to do with watching a movie. A hypertextual device that allows us to invent new texts has nothing to do with our ability to interpret pre-existing texts. |
Estamos caminhando para uma sociedade mais liberada na qual a livre criatividade co-existirá com a interpretação textual. Gosto disso. Mas não deveremos dizer que substituimos uma coisa velha por outra nova. Temos as duas, graças a Deus. Assistir TV nada tem a ver com assistir um filme. Um dispositivo hipertextual que nos permita inventar novos textos nada tem a ver com nossa habilidade de interpretar textos pré-existentes. |
There is still another confusion between and about two different questions: (a) will computers made books obsolete? and (b) will computers make written and printed material obsolete? | Há ainda outra confusão entre e acerca de duas diferentes questões: (a) os computadores tornarão os livros obsoletos? e (b) os computadores tornarão obsoletos o material escrito e impresso? |
Let us suppose that computers will make books to disappear. This would not mean the disappearance of printed material. | Suponha que os computadores farão os livros desaparecerem. Isso não significa o desaparecimento do material impresso. |
The computer creates new modes of production and diffusion of printed documents. In order to re-read a text, and to correct it properly, if it is not simply a short letter, one needs to print it, then to re-read it, then to correct it at the computer and to reprint it again. I do not think that one is able to write a text of hundreds of pages and to correct it without printing it at least once. | O computador cria novos modos de produção e difusão de documentos impressos. Para reler um texto e corrijí-lo adequadamente, se não for uma carta, precisa-se imprimí-lo, relê-lo, então corrijí-lo no computador e re-imprimí-lo de novo. Não acho que se seja capaz de escrever-se um texto de centenas de páginas e corrijí-lo sem imprimí-lo pelo menos uma vez. |
We have seen that - if by chance one hoped that computers, and specially word processors, would have contributed to save trees - that was a wishful thinking. Computers encourage the production of printed material. We can think of a culture in which there will be no books, and people will go around with tons and tons of unbound sheets of paper. This will be pretty difficult, and will pose a new problem for libraries. | Vimos que - se por acaso esperassemos que computadores, e especialmente processadores de texto, pudessem contribuir para preservação de árvores - isso seria apenas uma ilusão. Computadores encorajam a produção de material impresso. Podemos imaginar uma cultura onde não haverá livros e, ainda assim, as pessoas transportem toneladas de folhas de papel. Isso será desastroso, levantando um novo problema para bibliotecas. |
People desire to communicate with each other. In ancient communities
they did it orally; in a more complex society they tried to do it by printing.
Most of the books which are displayed in a bookstore should be defined as products of Vanity Presses, even if they are published by a university press. But with computer technology we are entering a new Samisdazt Era. People can communicate directly without the mediation of publishing houses. Lot of people do not want to publish, they simply want to communicate each other. Today they do it by E-mail or Internet, will result in being a great advantage for books, books' civilization and books' market. Look at a bookstore. There are too many books. I receive too many books every week. If the computer network will succeed in reducing the quantity of published books, it would be a paramount cultural improvement. |
As pessoas desejam comunicar-se. Em comunidades antigas o faziam oralmente; em sociedades mais complexas isso foi conseguido com a imprensa. A maioria dos livros expostos em livrarias poderia ser definida como Vanity Presses, mesmo sendo publicados pela imprensa universitária. Mas com a tecnologia da computação entramos em uma nova Samisdazt Era. As pessoas podem comunicar-se diretamente, sem a intermediação de editoras. Muitas pessoas não querem publicar, mas simplesmente comunicar-se entre si. Hoje isso é conseguido através de E-mail ou pela Internet, o que resultará em grande vantagem para livros, civilização de livros e mercado de livros. Veja uma livraria. Há muitos livros. Eu recebo muitos livros semanalmente. Se a rede de computadores conseguir reduzir a quantidade de livros publicados, isso seria um grande aperfeiçoamento cultural. |
One of the most common objections against the pseudo-literacy of computers is that young people get more and more accustomed to speak through cryptic short formulas: dir, help, diskcopy, error 67, and so on. One of the closing formulas used in the networks is cul8r. | Uma das mais comuns objeções contra a pseudo-competência de computadores é que os jovens cada vez mais se acostumam a falar fórmulas criptografadas: dir, help, diskcopy, error 67, e assim por diante. Uma das fórmulas usadas em redes é cul8r. |
Is that still literacy? FIG 7 | Isso ainda é competência literária? FIG 7 |
I am a rare-books collector, and I feel delighted when I read the seventeenth-century titles that took one page and sometimes more. They look like the titles of Lina Wertmuller's movies. The introductions were several pages long. They started with elaborate courtesy formulas praising the ideal Addressee, usually an Emperor or a Pope, and lasted for pages and pages explaining in a very baroque style the purposes and the virtues of the text to follow. | Sou um colecionador de obras raras e fico encantado quando leio títulos do século 17 com uma página e às vezes mais. Parecem os títulos de filmes de Lina Wertmuller. As introduções tinham várias páginas. Começavam com fórmulas polidas elaboradas louvando o destinatário ideal, em geral um Imperador ou um Papa, e continuavam por páginas e páginas explicando, em um estilo bem barroco, a intenção e as virtudes do texto a seguir. |
If Baroque writers read our contemporary scholarly books they would be
horrified. Introductions are one page long, briefly outline the subject matter
of the book, thank some National or International Endowment for a generous grant, shortly explain that the book has been made possible by the love and understanding of a wife or husband and of some children, and credit a secretary for having patiently typed the manuscript. We understand perfectly the whole of human and academic ordeals revealed by those few lines, the hundreds of nights spent underlining photocopies, the innumerable frozen hamburgers eaten in a hurry.. |
Se os escritores Barrocos lessem nossos livros didáticos contemporâneos, ficariam horrorizados. As introduções tem apenas uma página, resumindo brevemente o principal assunto do livro, agradecendo o generoso financiamento Nacional ou Internacional, rapidamente explicando que o livro só foi possível pelo amor e compreensão de esposa, marido ou alguma criança, e agradecendo a uma secretária por ter pacientemente datilografado o manuscrito. Entendemos o conjunto de provações humanas e acadêmicas reveladas naquelas poucas linhas, centenas de noites gastas fazendo fotocópias, os inumeráveis hamburgeres comidos às pressas .. |
But let me guess that in the near future we will have three lines saying: "W/c, Smith, Rockefeller," (to be read as: I thank my wife and my children; this book was patiently revised by Professor Smith, and was made possible by the Rockefeller Foundation.") FIGURE 8 | Permita-me advinhar que no futuro teremos três linhas dizendo: "W/c, Smith, Rockfeller," (para ser lido como: eu agradeço à minha esposa, às minhas crianças; este livro foi pacientemente revisado pelo Prof. Smith, e foi tornado possível pela Fundação Rockfeller). FIGURA 8 |
That would be as eloquent as a Baroque introduction. It is a problem of rhetoric and of acquaintance with a given rhetoric. I think that in the coming years passionate love messages will be sent in the form of a short instruction in Basic language, under the form "if... then", so to obtain, as an input, messages like "I love you, therefore I cannot live with you," (beautiful verse from Emily Dickinson). | Poderia ser tão eloqüente quanto uma introdução Barroca. É um problema de retórica e de familiaridade com uma dada retórica. Penso que nos anos vindouros as messagens de amor passionais serão enviadas na forma de pequenas instruções na linguagem Basic, sob a forma "if .. then", para se ter, como entrada, messagens como "Te amo, portanto não posso viver contigo" (Belo verso de Emily Dickinson). |
Besides, the best of English mannerist literature was listed --as far as I remember-- in some program language: 2B OR/NOT 2B " FIGURE 9 | Além disso, o melhor da literatura inglesa foi listada -- ao que me lembre -- em alguma linguagem de programação: "2B OR/NOT 2B" FIGURA 9 |
There is a curious idea according to which the more you say in verbal language, the more you are profound and perceptive. Mallarmé told us that it is sufficient to spell out "une fleur" to evoke a universe of perfumes, shapes, and thoughts. Frequently for poetry, the fewer the words, the more the things. Three lines of Pascal say more than 300 pages of a long and boring treatise on morals and metaphysics. The quest for a new and surviving literacy ought not to be the quest for a pre-informatic quantity. The enemies of literacy are hiding elsewhere. | Há uma idéia curiosa segundo a qual quanto mais usamos uma linguagem verbal mais somos profundos e perceptivos. Mallarmé disse que é suficiente falar "une fleur" para evocar-se um universo de perfumes, formas e reflexões. Freqüentemente na poesia quanto menos palavras mais coisas. Três linhas de Pascal dizem mais que 300 palavras de um bom e maçante tratado sobre moral e metafísica. A busca por uma competência literária nova e sobrevivente não precisa ser a busca por uma quantidade pré-informática. Os inimigos dessa competência estão escondidos em outra parte. |
Until now I have tried to show that the arrival of new technological
devices does not necessarily made previous device obsolete. The car is goes
faster than the bicycle, but cars have not rendered bicycles obsolete and
no new technological improvement can make a bicycle better than it was before. The idea that a new technology abolishes a previous role is too much simplistic. After the invention of Daguerre painters did not feel obliged to serve any longer as craftsmen obliged to reproduce reality such as we believe to see it. But it does not mean that Daguerre's invention only encouraged abstract painting. There is a whole tradition in modern painting that could not exist without the photographic model, think for instance of hyper-realism. Reality is seen by the painter's eye through the photographic eye. |
Até aqui tentei mostrar que a chegada de novos dispositivos tecnológicos não tornam, necessariamente, obsoletos os velhos. Carros são mais rápidos que bicicletas, mas não as tornaram obsoletas e nenhum aperfeiçoamento tecnológico pode fazer uma bicicleta melhor do que era antes. A idéia de que uma nova tecnologia consegue abolir uma prévia é muito simplista. Após a invenção de Daguerre os pintores não se sentiam mais obrigados a servirem como artesães obrigados reproduzir a realidade tal como entendemos vê-la. Mas não significa que a invenção de Daguerre tenha apenas encorajado a pintura abstrata. Há toda uma tradição na pintura moderna que não existiria sem o modelo fotográfico, por exemplo o hiperrealismo. A realidade é vista pelos olho do pintor através do olho fotográfico. |
Certainly the advent of cinema or of comic strips has made literature free from certain narrative tasks it traditionally had to perform. But if there is something like post-modern literature, it exists just because it has been largely influenced by comic strips or cinema. For the same reason today I do not need any longer a heavy portrait painted by a modest artist and I can send my sweetheart a glossy and faithful photograph, but such a change in the social functions of painting has not made painting obsolete, except that today painted portraits do not fulfill the same practical function of portraying a person (which can be done better and less expensively by a photograph), but of celebrating important personalities, so that the command, the purchasing and the exhibition of such portraits acquire aristocratic connotations. | Certamente, o advento do cinema ou de tiras em quadrinhos liberou a literatura de certas narrativas que, tradicionalmente, tinha que executar. Mas se há alguma coisa como literatura pós-moderna, existe justamente porque foi muito influenciada por tiras em quadrinho ou cinema. Pela mesma razão não preciso mais de um retrato grande pintado por um artista modesto e posso enviar à minha amada uma fotografia fiel, porém essa mudança na função social da pintura não a tornou obsoleta, exceto que os retratos hoje pintados não exercem as mesmas funções de retratar uma pessoa (que pode ser feito melhor e mais barato por fotografia), a não ser para celebrar importantes celebridades, de maneira que a compra e a exibição de tais retratos adquirem conotações aristocásticas. |
This means that in the history if culture it has never happened that something has simply killed something else. Something has profoundly changed something else. | Isto significa que na história da cultura nunca ocorreu que alguma coisa tenha simplesmente destruido outra coisa. Alguma coisa mudou profundamente outra coisa. |
I have quoted McLuhan, according to which the Visual Galaxy had substituted the Gutenberg Galaxy. We have seen that few decades later this was no longer true. | Eu citei McLuhan de acordo com o qual a Galáxia Visual substituiu a Galáxia de Gutenberg. Vimos que umas poucas décadas depois isso não era mais verdadeiro. |
McLuhan stated that we are living in a new electronic Global Village. We are certainly living in a new electronic community, which is global enough, but this is not a Village - if by village one means a human settlement where people are directly interacting each other. | McLuhan declarou que nós vivemos em uma nova Aldeia Global eletrônica. Nós, certamente, vivemos em uma nova comunidade eletrônica, que é global o suficiente, mas não é uma aldeia - se por aldeia entende-se um povoado onde as pessoas estão interagindo diretamente. |
The real problems of an electronic community are the following: (1) Solitude. The new citizen of this new community is free to invent new texts, to cancel the traditional notion of authorship, to delete the traditional divisions between author and reader, but the risk is that - being in touch with the entire world by means of a galactic network - one feels alone.... (2) Excess of information and inability to choose and to discriminate. I am used to saying that certainly the Sunday NYT is the kind of newspaper where you can find everything fit to print. Its 500 hundred pages tell you everything you need to know about the events of the past week and the ideas for the new one. However, a single week is not enough to read the whole Sunday NYT. Is there a difference between a newspaper which says everything you cannot read, and a newspaper which says nothing, is there a difference between NYT and Pravda? | Os problemas reais de uma comunidade eletrônica são os seguintes: (1) Solidão. O novo cidadão desta nova comunidade é livre para inventar novos textos, cancelar a noção tradicional de autoria, deletar divisões tradicionais entre autor e leitor, mas o risco é que - estando em contato com o mundo por meio de uma rede galática - sente-se sozinho.... (2) Excesso de informação e inabilidade para escolher e discriminar. Costumo dizer que certamente o NYT de domingo é o tipo de jornal onde você pode encontrar tudo o que dá para imprimir. Suas 500 centenas [N.T.: certamente um engano, 500 seria o correto] de páginas lhe dizem tudo o que você precisa saber sobre a semana que passou e as idéias para a próxima. No entanto, uma única semana não é suficiente para ler o NYT de domingo. Há uma diferença entre um jornal que diz tudo e que você não pode ler, e um jornal que nada diz, há uma diferença entre o NYT e o Pravda? |
Notwithstanding this, the NYT reader can still distinguish between the book review, the pages devoted to the tv programs, the Real Estate supplement, and so on. The user of Internet has not the same skill. We are today unable to discriminate, at least at first glance, between a reliable source and a mad one. We need a new form of critical competence, an as yet unknown art of selection and decimation of information, in short, a new wisdom. | Apesar disso, o leitor do NYT pode ainda distinguir entre a crítica de livro, as páginas de programas de TV, o suplemento Real Estate, e assim por diante. O usuário de Internet não tem a mesma habilidade. Hoje somos incapazes de discriminar, pelo menos a princípio, entre uma fonte confiável e uma não confiável. Precisamos de uma nova forma de competência crítica, uma arte por enquanto desconhecida de seleção e dizimação de informação, em suma, um novo bom senso. |
We need a new kind of educational training. | Precisamos de um novo tipo de treinamento educacional. |
Let me say that in this perspective books will still have a paramount function. As well as you need a printed handbook in order to surf on Internet, so we will need new printed manuals in order to cope critically with the World Wide Web. | Digamos que, nesta perspectiva, os livros ainda terão uma função superior. Do mesmo modo como precisamos de manual impresso para surfar na Internet, também precisamos de novos manuais impressos para cobrimos criticamente a World Wide Web. |
Let me conclude with a praise of the finite and limited world that books
provide us. Suppose you are reading Tolstoj's War and Peace: you are desperately
wishing that Natasha will not accept the courtship of that miserable scoundrel
who is Anatolij; you desperately wish that that marvellous person who is
prince Andrej will not die, and that he and Natasha could live together happy
forever. If you had War and Peace in a hypertextual and interactive CD-rom
you could rewrite your own story, according to your desires, you could invent innumerable War and Peaces, where Pierre Besuchov succeeds in killing Napoleon or, according to your penchants, Napoleon definitely defeats General Kutusov. |
Deixe-me concluir com um elogio do mundo finito e limitado que os livros nos dão. Suponha que você esteja lendo Guerra e Paz de Tolstoi: você está desesperadamente desejoso que Natasha não aceite a corte daquele patife miserável que é Anatole; deseja desesperadamente que a pessoa maravilhosa do príncipe Andrei não morra, e que ele e Natasha fiquem juntos e vivam felizes para sempre. Se você tivesse uma versão em CD-ROM hipertextual e interativa de Guerra e Paz você poderia reescrever sua própria estória, conforme seus desejos, poderia inventar inumeráveis Guerra e Paz, onde Pierre Besuchov mataria Napoleão ou, conforme sua propensão, Napoleão eliminaria o General Kutusov. |
Alas, with a book you cannot. You are obliged to accept the laws of Fate, and to realise that you cannot change Destiny. A hypertextual and interactive novel allows us to practice freedom and creativity, and I hope that such a kind of inventive activity will be practised in the schools of the future. But the written War and Peace does not confront us with the unlimited possibilities of Freedom, but with the severe law of Necessity. In order to be free persons we also need to learn this lesson about Life and Death, and only books can still provide us with such a wisdom. | Meu Deus, com um livro você não pode. Você é obrigado a aceitar as leis do destino, e constatar que não pode mudar o destino. Um romance hipertextual e interativo nos permite praticar liberdade e criatividade, e espero que tal tipo de atividade inventiva seja praticada nas escolas do futuro. Mas Guerra e Paz escrita não nos confronta com possibilidades ilimitadas de Liberdade, mas com as leis severas da Necessidade. Para sermos pessoas livres, precisamos também aprender esta lição sobre Vida e Morte, e apenas os livros ainda nos presenteiam com esta sensatez. |