Tecnologias da Inteligência - Pierre Lévy
O tema principal do livro é: O papel das tecnologias da informação na constituição das culturas e inteligência dos grupos. A tese defendida, segundo o autor, refere-se a uma história mais fundamental que a das idéias: a história da própria inteligência.
"Os coletivos cosmospolitas compostos de indivíduos, instituições e técnicas não são somente meios ou ambientes para o pensamento, mas sim seus verdadeiros sujeitos. Dado isso, a história das tecnologias intelectuais condiciona (sem no entanto determiná-la) a do pensamento. " pág. 19
Para Pierre Levy a técnica é um dos mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso tempo.
A metáfora do Hipertexto
O autor considera o Hipertexto como um dos futuros da leitura e da escrita.
"As tecnologias intelectuais, misturam-se à inteligência dos
homens por duas vias. A escrita e o groupware ou hipertexto."
É importante salientar, como apresentado no livro, a importância
da escrita. Em estudos, em psicologia cognitiva, foi observado que os assuntos
abordados nas conversas cotidianas possuem menos estrutura, sendo
sistematicamente menos hierarquizados e organizados do que textos escritos.
Estas características estão relacionadas às
deficiências na capacidade da memória humana de curto prazo.
Durante uma conversa normal, nós não dispomos de recursos externos
para armazear e reorganizar à vontade as representações
verbais e gráficas. É sobretudo por isso que trocamos
generalidades, palavras, mudamos de assunto, ficamos a deriva. Durante uma
simples troca verbal, é muito difícil compreender e mais ainda
produzir uma organização organizada, complexa e coerênte
em defesa de nossas idéias.
Para o autor a estrutura do hipertexto não dá conta somente da comunicação. O hipertexto é uma metáfora válida para todas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo. São definidas seis características que descreveriam um hipertexto:
1. Princípio de metamorfose;
2. Princípio de heterogeneidade;
3. Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: o hipertexto se organiza em um modo fractal, um nó ou conexão pose revelar-se como sendo composto por toda uma rede;
4. Princípio de exterioridade: A rede não possui unidade orgânica nem motor interno;
5. Princípio de topologia: nos hipertextos, tudo funciona por proximidade, por vizinhança, o curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos;
6. Princípio da mobilidade dos centros: a rede não têm centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que são pontas luminosas perpétuamente móveis.
Na primeira parte do livro também são mostrados conceitos técnicos com relação ao hipertexto e groupware, bem como são feitas várias reflexões, não apenas sobre o hipertexto, mas sobre a comunicação em si.
"Seria a transmissão de informações a primeira função da comunicação? Decerto que sim, mas em um nível mais fundamental o ato de comunicação define a situação que vai dar sentido às mensagens trocadas. A circulação de informações é, muitas vezes, apenas um pretexto para a confirmação recíproca do estado de uma relação. " Pág. 21
É explicitado que o groupware ou hipertexto, além de ser uma ferramenta eficaz para comunicação e a inteligência coletivas, poderia também servir como metáfora esclarecedora da comunicação.
"Trabalhar, viver, conversar fraternalmente com outros seres, cruzar um pouco por sua história, isto significa, entre outras coisas, construir uma bagagem de referências e associações comuns, uma rede hipertextual unificada, um texto compartilhado, capaz de diminuir os riscos de incompreensão." Pag. 73
Com relação ao groupware o autor faz várias colcações importantes, como :
"Os hipertextos de auxílio à inteligência cooperativa garantem o desdobramento da rede de questões, posições e argumentos, ao invés de valorizar os discursos das pessoas tomados como um todo. A representação hipertextual faz romper a estrutura agonística das argumentações e contra-argumentações." 66
No texto são apresentados alguns exemplos de utilizações, hipotéticas ou em fase de desenvolvimento, de groupware. O exemplo apresentado de groupware concebido por Winograd e Flores visa sobretudo auxiliar a dimensão pragmática da comunicação nos grupos, em detrimento de seu aspecto semântico. A primeira preocupação é a de coordenar a ação. Cada um dos atos de linguagem que transita pela rede é rotulado como pergunta, assentimento, anulação de uma promessa, contraposição, etc. O programa verifica o estado da conversa em andamento e alerta os participantes quanto a datas, atrasos e eventuais ruptura de promessas.
Os exemplos apresentados, nesta primeira parte do livro, exemplificam a visão do autor com relação ao papel das tecnologias na constituição das inteligências coletivas, pois a maior parte dos programas atuais desempenha o papel de tecnologia intelectual quando eles organizam, de uma forma ou de outra, a visão do mundo de seus usuários e modificam seus fluxos mentais. O informata organiza o espaço das funções cognitivas: coleta de informações, armazenamento na memória, avaliação, previsão, decisão, concepção, etc.
" As redes informáticas modificam os circuitos de comunicação e de decisão nas organizações. Na medida em que a informática avança, certas funções são eliminadas, novas habilidade aparecem, a ecologia cognitiva se transforma" Pág.54
Nesse sentido, o autor faz uma constatação bastante pertinente e grave.
"Os informatas intervêm sobre a comunicação, a percepção e as estratégias cognitivas de indivíduos e de grupos de trabalho; apesar disso não encontramos em seu currículo essas disciplinas. Constata-se que formam-se "especialistas em máquinas". Pág. 56
Os três tempos do espírito: A oralidade primária, a escrita e a informática
Nessa segunda parte do livro o autor faz um questionamento sobre a temporalidade social e os modos de conhecimento que surgem do uso das novas tecnologias intelectuais. É descrito "o tempo real", decorrente da utilização das tecnologias da informática, para compreender esse processo o autor faz uma análise das evoluções contemporâneas com relação à informática na continuidade de uma história das tecnologias intelectuais e das formas culturais que a elas estão ligadas.
Pólo da oralidade primária
A oralidade primária remete ao papel da palavra antes que uma sociedade tenha adotado a escrita, nas sociedades sem escrita, a produção espaço-tempo está quase totalmente baseada na memória humana associada ao manejo da linguagem. Portanto, Pierre Lévy discorre sobre algumas das características dessa memória.
Não há apenas uma, mas diversas memórias, funcionalmente distintas. Ele descreve a memória declarativa como composta por memória de curto prazo e memória de longo prazo. A memória de curto prazo mobiliza a atenção. A repetição parece ser a melhor estratégia para reter a informação a curto prazo; já a memória de longo prazo é usada, por exemplo cada vez que lembramos nosso número de telefone. Supõe-se que a memória de longo prazo é armazenada em uma única e longa rede associativa, neste caso a repetição não demonstra ser uma boa estratégia, neste tipo de memória menciona-se a utilização de "elaborações" para fixação das informações na memória, que são acréscimos à informação alvo., conectam entre si ítens a serem lembrados, ou então conectam estes ítens a idéias já adquiridas ou anteriormente formadas. Quanto mais conexões o ítem a ser lembrado possuir com os outros nós da rede, maior será o número de caminhos associativos possíveis para a propagação da ativação no momento em que a lembrança for procurada.
"Cada vez que nós procuramos uma lembrança ou uma informação, a ativação deverá propagar-se dos fatos atuais aos fatos que desejamos encontrar. Para isso, duas condições devem ser preenchidas. Primeiro, uma representação do fato que buscamos deve ter sido conservada. Segundo, deve existir um caminho de associações possíveis que leve a esta representação. A estratégia de codificação, isto é, a maneira pela qual a pessoa irá construir uma representação do fato que deseja lembrar, parece ter um papel fundamental em sua capacidade posterior de lembrar fatos." 79
As representações que têm mais chances de sobreviver nas ecologias cognitivas essencialmente compostas por memórias humanas são aquelas que atenderem melhor aos seguintes critérios:
1. As representações serão ricamente interconectadas entre elas, o que exclui listas ou outras apresentações modulares.
2. As conexões entre representações, envolverão sobretudo causa e efeito.
3. As proposições farão referência a domínios do conhecimento concretos e familiares para os membros da sociedade.
4. As representações deverão manter laços estreitos com "problemas da vida", envolvendo diretamente o sujeito e fortemente carregados de emoção.
Assim para que o conhecimento não fosse "perdido", nas sociedades da oralidade primária, este era passado de geração a geração, através de narrativas ricas, ritos, cantos. Lévy descreve o espaço-temporal dessas sociedades como cíclico, pois era preciso estar continuamente revivendo estes conhecimentos para que os mesmos permanecessem na memória da comunidade.
Pólo da escrita
Com o surgimento da escrita, os conhecimentos agora podiam ser gravados em um outro lugar que não apenas a memória, assim não era mais necessária transmití-lo de forma a estimular essa memória. Assim, o saber não apenas poderia perpetuar-se mas não era mais necessário passá-lo de forma contextualizada e carregada de emoção. A distância entre os textos do autor e do leitor pode ser muito grande. Disto resulta uma pressão em direção à universalidade e à objetividade por parte do emissor, assim como a necessidade de uma atividade interpretativa por parte do receptor.
"A escrita suscitou o aparecimento de saberes cujos autores geralmente pretenderam que fossem independentes das situações singulares em que foram elaborados e utilizados: as teorias."
"A escrita é uma forma de estender indefinidamente a memória de trabalho biológica. As tecnologias intelectuais ocupam o lugar de auxiliares cognitivos dos processos controlados, auqeles que envolvem a atenção consciente e dispõem de tão poucos recursos no sistema cognitivo humano. Desta forma, as tecnologias intelectuais servem de paliativo para certas fraquezas dos processos automáticos como as herísticas de raciocínio e os mecanismos esquematizantes da memória de longo prazo." 92
O autor cita estudos que demonstram que indivíduos de culturas escritas têm a tendência a pensar por categorias enquanto que as pessoas de culturas orais captam primeiro as situações, não que sejam menos inteligentes, apenas praticam outra forma de pensar, perfeitamente ajustada a suas condições de vida e aprendizagem.
O espaço-temporal é aqui descrito como contínuo.
Pólo informático-mediático
Não há identidade estável na informática porque os computador são redes de interfaces abertas a novas conexões, imprevisíveis, que podem transformar radicalmente seu significado de uso. O aspecto da informática mais determinante para a evolução cultural e as atividades cognitivas é sempre o mais recente, relaciona-se com o último envoltório técnico, a última conexão possível, a camada de programa mais exterior.
Assim Lévy coloca que as mensagens e os "saberes" são cada vez menos produzidos de forma a durar, o que importa é sempre a informação mais recente, ocorre um declínio da verdade absoluta e imutável, conforme era buscado anteriormente. O autor também coloca a importância de uma nova forma de conhecimento trazida uso das tecnologias computacionais: o conhecimento por simulação.
O espaço-temporal é descrito como ponto, tempo real.
Rumo a uma ecologia cognitiva
Após deixar claro a forma na qual a utilização de "tecnologias da inteligencia" como a escrita e a informática influenciam na cognição e na construção espaço-temporal humana, nesta última parte do livro Pierre Lévy apresenta a ecologia cognitiva, a qual se propõe a estudar estas coletividades cosmopolitas. Faz-se uma reflexão entre o pensamento individual, as instituições sociais e as técnicas de comunicação. É mostrado que esses elementos heterogêneos articulam-se para formar coletividades pensantes homens-coisas.
"A inteligência ou a cognição são o resultado de redes complexas onde interagem um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou "eu" que sou inteligente, mas "eu" com o grupo humano do qual sou membro, com minha língua, com toda herança de métodos e tecnologias intelectuais (dentre os quais o uso da escrita)." Pág. 135
Lévy coloca que toda instituição é uma tecnologia intelectual, onde a cultura fornece um enorme equipamento cognitivo aos indivíduos (línguas, sistemas de classificação, conceitos, analogias, regras jurídicas, administrativas) e as técnicas agem diretamentente e indiretamente sobre a ecologia cognitiva.
Outra afirmação importante do autor é que nenhuma técnica têm uma significação intrínseca, um "ser" estável, mas apenas o sentido que é dado a ela sucessiva e simultaneamente por múltiplas coalizões sociais, onde a técnica não é boa, má ou neutra encontra-se misturada a tudo.
Assim, o autor enfatiza a importância de uma tecnodemocracia, àqueles que consideram a tecnologia como "inimiga" se excluem desse processo de construção de seus significados.
"A ciência e a técnica representam uma questão política e cultural excessivamente importante para serem deixados a cargo dos irmãos inimigos (cientistas ou críticos da ciência) que concordam em ver no objeto de seus louvores ou de suas críticas um fenômeno estranho ao funcionamento social ordinário. " (12).
É importante salientar que a educação é um dos principais veículos da cultura e que a educação das novas gerações apesar de ser uma das tarefas mais importantes de uma sociedade civilizada, é também, uma das mais custosas e difíceis. A transição dos velhos métodos para os novos pode se mostrar muito lenta se comparada com o crescimento vertiginoso da informatização e o período de transição pode alienar toda uma geração.
Resumo feito por Mônica Carapeços Arriada.